É nóis, maluco

Olha, eu não sei como você caiu aqui. Mas já que tá, não custa um comentário p'ra deixa pegada forte na opinião do baguio. Suave!

domingo, 4 de julho de 2010

The end


Tossia muito. Pouco ar saia daqueles pulmões já há tempos repousado na mesma cama que um dia descansou sonhos, sonos e sexo.
A idade não era avançada. 45.
43 bem vividos. Carpie diem.
Há 2 anos que a vida não era vida. Repouso e aguardo do fim.
Desde que ficou enfermo, o único pedido foi "7 filmes por semana".

Manhã

Rotina doentia: acordava do pouco sono que teve durante a madrugada e, com a ajuda das barras, de seu quarto caminhava até o banheiro onde fazia suas necessidades. Era assim que se sentia humano.
Já não comia quase nada.O necessário para sustentar aquele corpo deitado:
_Dói pra engolir...
Junto com o suco vinham os remédios. Eram muitos e coloridos.
Nunca foi de queixar-se do destino, mas um dia confessou.
_Quando eu tomo isso aqui, parece que estou comendo um cachorro e um cachorro me come por dentro.
Mas, já cessara as ânsias de vômito e o costume com a desgraça se tornou uma virtude.
A porta sempre trancada escondia o quarto simples que denunciava vida só no raio de sol que, por descuido da janela aberta, teimava em brilhar o doente.
A bíblia na mesinha ao lado da cama, toalha de renda branca que abrigava a fé em papel. Aberta num desses salmos em que diz que para Deus tudo é possível.
Já incansáveis vezes, mesmo sem forças para tal, ajoelhado em frente ao livro sagrado rezou e pediu com desejo de mover montanhas. O plano de Deus para ele, devia ser outro.
Depois da vitamina de farmácia o destino era voltar ao colchão e olhar para o teto.
De fezes, mijos, químicas, sol-intruso e fé-cansada era feita sua manhã.

Tarde

Batata, água e pouquíssimo sal era sua refeição obrigatória. O suficiente. Aquilo que sua garganta não reclamava.
Almoço sem sobremesa, hora do filme.
Só os antigos.
Repetidamente: Vale das Paixões, E o Vento Levou, Lagoa Azul, Perdido de Amor, Começou em Nápoles, O Fantasma Apaixonado, Lembra-te daquela Noite.
E daí o mundo parava. Os pulmões se esqueciam do árduo trabalho, as feridas aparentes no corpo cinza se escondiam, a garganta engolia a saliva sem quase sacrifício e até as costas se esquecia quão doloroso era ficar tanto tempo em uma posição.
Olhos marejados daquele que via a vida se indo. Encantamento com beijos de Jane Fonda e Robert RedFord. Coração que palpitava com a lembraça de paixões antigas.
Os créditos subiam até o final. Era o tempo para amenizar a catarse. O tempo de esquecer o mundo que um dia foi bom, das pernas fortes desbravando trilhas no meio da serra, de braços fortes que quebravam ondas em diferentes praias, de bocas sem feridas que beijavam bocas em diferentes tempos.
Suspiro de passado doce.
Suco de laranja e mais coloridos remédios. Volta ao mundo real e a espera da escuridão que se aproximava sem demora ou piedade.

Noite

Aí é que tudo fazia sentido. Morria mais rápido no negro. Sozinho demais para resistir as revelações das estrelas.
Pânico trancafiado em quatro paredes, respiração ainda mais ofegante e a certeza do adeus à bala de menta, ao calafrio de mãos que se encontram, de beijos cinematográficos.
A emoção era outra.
Era o fim.























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