É nóis, maluco

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sábado, 16 de fevereiro de 2008

Ele e o teatro

Ele começou cedo com essa história de teatro.
Desde festas de natal com a família reunida, já mostrava seus dotes "artísticos". Piadas, casos da família re-contado ano a ano (e a tia que não compareceu ano passado não pode viver sem ouvir essa), uma paródia acompanhada com uma imitação que todo mundo faz, coisas assim...
Na escola, ele sempre foi o que mais chamava atenção. Não por ser gente boa demais ou de menos, e sim simplesmente por necessitar de atenção. Gostava de falar contra e pouco importava se soubesse ou não sobre o que estavam falando. Adorava redação, fingia que gostava de literatura e gramática.
Sempre rodeado de gente foi se tornado popular depois de três troféus conquistados em gincanas escolares. Ele, da equipe amarela conduzia as poucas pessoas que se interessavam por teatro na competição: fazia sátira de programas de televisão, versão distorcida de contos de fadas e, de vez em quando, p'ra dar a pinta de intelectual , colava alguns textos de Oswald de Andrade, e tava feito seu trabalho sobre a semana da arte moderna.
Entrou para um curso livre de teatro e conheceu gente de sua tribo.
Começou a fingir que lia muito. Sua bolsinha de coro era habitada por: Jung, Marx, George Orwell... Entrou numas de Paulo Coelho mas falaram que era piegas, e nem Brida, que tanto estava gostando, ele terminou de ler. Optou por Carlos Castañeda. Queria sair do corpo.
Mal sabia que o que precisava mesmo, era voltar.
Tomava banhos demorados, se perfumava muito, mas fazia questão de sair de casa com aparência suja e roupa rasgada com etiquetas cortadas, esbanjando seu anti-capitalismo, ainda que comesse Mc Donald's e se assumisse como um dependente de Coca-Cola.
Com os seus, ansiava pelo final de semana para formarem roda em volta da fogueira, esperar o infeliz que trazia seu violão personalizado com frases de Fernado Pessoa, e começar a sessão regada a vinhos São tomé, Chapinha, Sangue de Boi e um repertório musical que fazia a cabeça da galera. Legião era a mais pedida, mas o dito do violão só sabia quatro músicas. E sempre na mesma ordem: Pais e Filhos, Será, Eu sei e Há Tempos. O resto do tempo voltado às canções era tomado por músicas próprias, ou então um dedilhado como fundo musical para uma poesia de improviso declamada aos quatro ventos com gosto de vinho ruim. Lembrava um sarau.
E eles adoravam sarau. Adoravam Performances, conhecer gente estranha, cantar as mais pops do Caetano, do Chico e se achar no direito de sentir a mesma repressão que povo de setenta passou. Nos tais saraus se lambuzavam de guache e rolavam numa cartolina branca querendo exprimir todo o desenvolvimento humano em arte; Pulavam sem parar até o esgotamento e quando se rendiam ao chão acreditava estar em contato puro com a mãe terra; decoravam textos de Hilda Hilst e, nus, clamavam por liberdade sexual. Mas ninguém comia ninguém.
Ele descobriu o prazer dos bares alternativos. Repensou suas vestimentas e adotou o paletó, camisa branca, calça jeans e sandália de couro como traje oficial para as converas, agora "maduras". Red Label com pouco gelo, cigarrilhas aromatizadas e a discussão girava em torno de tempos passados: "Era bom, neh?!"; "A gente não tava nem aí"; "Essa molecada de hoje não sabe aproveitar a vida"; "Na minha época, sim, tinha espetáculos bons!"
O tempo foi, foi, foi... e acabou. Pelo menos para ele.
Foi encontrado morto essa manhã. Infarto Fulminante. Rápido assim, não teve como atualizar seu curriculo como fazia toda madrugada. Em suas mãos, foi encontrado a última versão de seu histórico como ator.


Ele
Profissão: Ator
Registro na Delegacia do Trabalho: Em fase de prestação de banca

Trabalhos realizados:

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4 comentários:

thim disse...

vc deveria pensar em escrever romances, tá mandando bem, hein

Anônimo disse...

Tá lindo o blog, Zé.

E... ao contrário do Thim, já pensou em ser hippie?

Anônimo disse...

Tá lindo o blog novo, Zé!

Ao contrário do Thim, já pensou em ser hippie?

Anônimo disse...

ARRASOU, ZÉ!
BOM TEXTO.