É nóis, maluco

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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Um conto de amigos ao som de Bob Dylan.

Nascimento.

Dois dos dois nutriam uma amizade invejável.
Afinidade dessas de comprar presente para o outro e desistir de entrega-lo achando que tinha a sua cara.
Além da idade ser a mesma, com ainda pouco tempo de convívio não era difícil perceber tantos gostos comuns.
Mulher é morena, comida é massa, música é nacional, passatempo é jogo no campinho, o time é...
Aí sim, notava-se que eram dois. Corinthians de um, Palmeiras de outro.
As poucas brigas que tiveram normalmente eram princpiadas por discussões futebolísticas. Já chegaram a ficar mais de 4 meses sem se olhar, ainda que convivendo no mesmo círculo de amizades, pelo exagero da comemoração de um título Paulista. A alegria alheia incomodou tanto ao outro que, com a ajuda da cachaça, desferiu um soco meio desajeitado mas "cheio de razão" no olho esquerdo do colega. Só quando a amizade teve volta é que confessaram que homem também chora. Lágrimas de confissão caídas nos ombros. Um do outro.
E de histórias p'ra contar tinham bem mais que noventa minutos.
Coisa bonita era ver aqueles dois crescendo sempre juntos, defendendo-se do egoísmo do mundo e fazendo bagunça com pouco dinheiro.

Crescimento

Águas passadas de um riacho que para ser feliz bastava sorrir.
Cobranças sociais os vestiram de gente séria e os fizeram orgulhosos de conquistas pequenas: um emprego, uma casa e uma família.
E as noites de pizzas, dias de clube, sol de churrasco e frio de feijoada contribuiram para que a admirável "amizade" não evaporasse. Em festas assim, a cerveja os deixavam mais jovens e as lembranças eram poucas para colocar os convidados a par de uma época que julgavam ser de ouro.
O tempo passava com respeito e, na alegria de ter o outro, acostumaram-se com a irmandade e depositaram aí a fé de um mundo com amor.

Morte

Foi de tanto o amigo insistir que a enfermeira concordou em ligar a pequena (pequena mesmo) televisão preto e branco para que os dois pudessem ver ao jogo.
Um na cama, respiração difícil,óxigênio mecânico e olho semicerrado.
O outro na poltrona, se fazendo de homem forte e reinventado a fé mais por si do que pelo outro.
Era engraçadamente triste ver aqueles dois com camisetas de seus respectivos times, fingindo assim que a vida era pra sempre.
Apita o arbitro.
E no corre-corre atrás da bola, nenhum jogo tinha sido tão importante.
Nenhum dos dois entendia de onde vinha o constrangimento. Ar denso que deixava a sala ainda mais pesada.
O silêncio só foi interrompido quando o Outro de canto de olho notou uma pequena lágrima andando no rosto do Um.
Como se não quisesse ser levado pela emoção do moribundo, resolveu agir como se o câncer não assistisse jogo.
Desde aquele momento, não olhou mais para o lado. Mentiu sua atenção apenas para a pequena tela sem cor e, num disfarce quase ridículo, torcia para seu time com corpo e voz desses que vão para estádio.
Foi no apito final, que o silêncio imperou novamente. Olhos marejados com medo de se encontrarem.
O Outro levantou num silêncio infinito, abriu a porta do quarto e quando já colocava os pés no corredor, estancou. Lá ficou cerca de 2 minutos olhando para as paredes brancas e, num impulso, desses que nos tornam humanos, correu até a cama do doente e pode dizer quanto orgulho ele tinha de tê-lo como um irmão.Na breguice das declarações e segurando firme um na mão do outro começaram a rir como se o prazer da companhia de toda a vida resolveu visitá-los naquele momento.
E para não ficarem lá o resto da noite, resolveram trocar as camisas e, assim como os jogadores no campo, eram atletas na vida correndo contra o apito final arbitrário.
Fim de um jogo, começo do mistério.
O outro não fora ao enterro do Um. Vestiu a camiseta trocada dias antes e foi visitar o mar.

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